A sociedade civil é constituída por diversos componentes, como as instituições cívicas, sociais e organizações que formam os alicerces de uma sociedade em funcionamento. No entanto, elas existem para regular um grupo de pessoas com ideais semelhantes, unindo esforços em prol de um objectivo comum. Em Angola, as primeiras organizações da Sociedade Civil começaram o seu trabalho no final dos anos 80 num contexto em que a Guerra Fria estava a terminar e o regime de partido único viu-se obrigado a aceitar a convivência multipartidária nos Acordos de Bicesse de 1991 na qual o MPLA e a UNITA mediados por Portugal concordaram em fazer as pazes e aceitar as diferenças. No final dos anos 90 as Organizações não Governamentais desempenharam um papel muito importante na conquista da Paz.
A vida política em Angola desde a independência foi reduzida em MPLA e UNITA, mas com o surgimento das variadas associações cívicas começamos a ter actores públicos equidistantes das cores partidárias.
(…) em 2011, um grupo de jovens ligados ao Movimento Hip hop levantou-se e pôs em causa a legitimidade do anterior Presidente José Eduardo dos Santos que estava a 32 anos no Poder. Este movimento ficou bem conhecido em 2015 com a detenção dos activistas que resultou no caso 15+2. Nesta altura, a Sociedade Civil mobilizou uma campanha de solidariedade muito forte desde mobilização de recursos, manifestação, vigílias , concertos musicais, spots para mídia social , cancelamentos etc…
Os jovens foram libertos e novos movimentos surgiram para enriquecer o rol das Organizações da sociedade civil. Quando João Lourenço em 2017 tornou-se Presidente, encontrou uma Sociedade Civil forte e convencida de desempenhar papel preponderante para a saída do José Eduardo dos Santos. Em 2018, João Lourenço procurou proximidades com algumas referências das organizações cívicas, algumas foram condecoradas, outras cooptadas, outras silenciadas e outras anuladas. A lógica de dividir para melhor governar entrou em voga. David Mendes e Rafael Marques que eram pessoas muito queridas na Sociedade Civil passaram a jogar no outro lado. Depois começou a ficar claro que eles nunca foram anti sistema, o problema deles e de muitos era o José Eduardo dos Santos e não o MPLA. Nesta altura, João Lourenço aproveitou infiltrar novos actores políticos para confundir a opinião pública. Criaram até programas de televisão e deram espaços para seus actores políticos conquistarem a simpatia do povo e muitos conseguiram. Quando Adalberto Costa Júnior tornou-se Presidente da UNITA um grupo de jovens na qual fiz parte decidiu apoiar directamente sua candidatura e campanha como estratégia para afastar o MPLA do Poder. A Sociedade Civil ficou mais dividida do que já estava.
A questão que se levanta o tempo todo é: Os activistas podem apoiar um partido político? A resposta não é sim nem não, mas quando as causas convergem , podemos criar uma linha de actuação conjunta para derrotar o mal maior. No Brasil por exemplo, as organizações da Sociedade Civil apoiaram directamente o candidato do PT Lula da Silva para derrotar o mal maior que era o Bolsonaro. Tal como muitos conservadores apoiaram o Bolsonaro contra os progressistas. Voltando em Angola, a maior parte das supostas organizações da Sociedade Civil actuam de acordo com as circunstâncias, ao sabor do vento e de acordo com a agenda cívica imposta pelo governo. Se o MPLA apresentar propostas sobre as autarquias, a pauta será sobre as autarquias; se o MPLA falar sobre corrupção, a pauta será sobre corrupção e muitas vezes de acordo com as agendas dos financiadores. Por exemplo, se o financiador quer iniciativas sobre o ambiente as mesmas ONG’s saltitam para questões ambientais; se for sobre gênero mudam automaticamente.
Em Angola é de raridade duas ou três organizações da Sociedade Civil criarem uma frente comum para defenderem a mesma causa, elas preferem agir de forma atomizadas, ou seja, cada uma no seu cantinho. Quando alguém luta sem causa, qualquer coisa serve. João Lourenço percebendo-se que muitos estão nessas organizações com outras motivações, cooptou vários, criou falsas comissões e agora andam caladinhos como cobardes perante as injustiças sociais. A ditadura totalitária em Angola está a ser reconfigurada sob um olhar silencioso, quiçá, cúmplice. Primeiro arrestaram as únicas TV’s privadas (Zimbo e Papanca Tv ), fecharam algumas televisões (Vida Tv, Zap Viva, Record África) , jornais privados desapareceram da noite para o dia, a Camunda News já não é a mesma, o escritório do sindicato dos jornalistas foi duas vezes arrombados , o poder Judicial está cada vez mais banalizado, escândalos de corrupção são repetidos os dias todos, juízes gatunos, procuradores gatunos, o poder legislativo continua inoperante , o deputado continua impedido de fiscalizar os actos do poder executivo, vários activistas foram brindados com apartamentos no Zango Zero, outros estão atrás dos administradores municipais para conseguirem uma casa no Maye Maye ou na Marconi e ainda temos um outro grupo que optou por sair do país porque a esperança está morta.
Bispos, Padres da CEAST vem com muita boca, mas depois é só o governo canalizar verbas para reabilitar o santuário para esquecerem os problemas do povo. Eleições de 2022, fomos todos roubados, houve fraudes e estamos cientes disto, mas a Sociedade Civil achou que aquilo era assunto do interesse exclusivo do MPLA, UNITA , BD e PRAJA. Por isso ninguém saiu para defender o voto, ou seja, estávamos todos a espera que o Adalberto soasse o apito da alvorada quando era o futuro de todos os angolanos que estava em jogo. E agora, em menos de um mês, João Lourenço apresenta uma proposta de lei para monitorar as ONG’s, implementou uma dinâmica de repressão contra as zungueiras, vários armazéns foram encerrados e para fechar subiu o preço dos combustíveis na cara de todas e todos os angolanos. Dito Dali, Sara Ngueve, Mwanangola , Pedro Gonga e mais uns três em Benguela num universo de 36 milhões de angolanos foram os únicos com coragem de sair às ruas!!! Os demais estamos em casa com os braços cruzados as pernas traçadas a espera que o camarada Presidente João Lourenço recue dos seus delírios ditatoriais!!!
A Professora Cesaltina Abreu tem questionado reiteradas vezes: quem tem medo de quem? A música do Phay Grande o poeta continua a fazer sentido: “Somos um povo burro” , a música dos Hemoglobina lançado em 2002 continua a fazer sentido : “ Para quando uma sociedade civil?”.
Por Hitler Samussuku