Em apenas 30 dias o quadro macroeconómico do País sofreu um forte revés. O afundanço do kwanza compromete a meta de inflação do BNA, que apontava a uma janela entre 9 a 11% no final do ano, bem como as perspectivas de crescimento económico para 2023. As agências de rating estão atentas.
O Kwanza depreciou 27% face ao dólar e 26% face ao euro no espaço de um mês, sendo a moeda africana com pior prestação este ano. O cenário de evolução é preocupante e o Ministério das Finanças está a traçar cenários para determinar como deve "atacar" a forte desvalorização cambial e os efeitos que terá, sobretudo, sobre a dívida, numa altura em que as principais agências de notação financeira estão com os olhos em Angola, apurou o Expansão.
A taxa de câmbio média do dólar no Banco Nacional de Angola passou de 507,7 Kz em 11 de Maio para 691,6 Kz a 14 de Junho, o que representa uma depreciação de 27% da moeda nacional. Já o euro passou de 553,8 Kz para 749,8 Kz. Contas feitas, esta quarta-feira um dólar valia mais 184 Kz do que no mês anterior, enquanto um euro valia mais 196 Kz. Entre segunda e quarta-feira, o Kwanza bateu no fundo e atingiu o valor mais baixo de sempre face à moeda norte- -americana, superando o período da pandemia da Covid-19, quando cada dólar valia 661,9 Kz no dia 30 de Outubro de 2020. Mas há uma diferença face a esse período. É que na altura a média de venda do barril de petróleo (que vale 90% das exportações angolanas) foi de 40 USD, enquanto nesta altura o valor ronda os 75 USD.
O que define o valor da moeda nacional é a relação entre a oferta e a procura, pelo que a quebra de receitas de petróleo devido à descida dos preços do crude nos mercados internacionais, bem como o pagamento de dívida externa pelo Estado e as necessidades de importações de combustíveis estão na base da forte desvalorização cambial verificada no último mês, de acordo com especialistas, que avançam que as agências de notação financeira estão com os olhos postos em Angola, até porque a dívida externa angolana representa mais de 75% do total da dívida.
"Uma das razões que levou à queda expressiva do rácio da dívida sobre o PIB de mais de 130% em 2020 para cerca de 60% no ano passado foi o facto de o Kwanza ter estabilizado. Como 70 a 75% da dívida do Pais é em dólares, com esta desvalorização vai voltar a disparar. Isto deve levar a uma alteração da perspectiva de evolução do rating pelas agências e, caso nada se altere, podem depois baixar efectivamente o rating da República", admite o economista de uma consultora internacional.
É, assim, expectável que haja novidades entretanto a este nível. Até porque as últimas actualizações de evolução da dívida feita pelas principais agências já foram feitas há algum tempo quando o Kwanza estava estável. É o caso da Moody"s, que em Outubro de 2022 apontou a uma perspectiva de evolução positiva, da Fitch igualmente positiva (a 15 de Julho de 2022) e a Standard & Poor"s que apontou a uma evolução estável em Fevereiro de 2022.
Já se sabia que 2023 iria ser um ano difícil, uma vez que se em 2020 Angola conseguiu moratórias de três anos no pagamento do serviço da dívida, este ano teria de retomar os pagamentos. A moratória no pagamento das dívidas a bancos chineses e a países do G20 ajudaram a alterar o perfil do serviço de dívida em plena pandemia da Covid-19 e a reduzir a pressão sobre a tesouraria, mas a factura chegou agora. E pelo meio, em 2022, decorreram as eleições num ano em que as importações dispararam quase 50% face a 2021, para 17,3 mil milhões USD, naquele que foi o valor mais alto desde 2015, de acordo com os dados da estatística externa do Banco Nacional de Angola (BNA). Ou seja, os preços altos do petróleo no ano passado foram uma oportunidade perdida para se construir uma almofada de poupança que atenuasse as dificuldades em 2023, mas a estratégia passou por pôr o Tesouro a "inundar" o mercado com divisas para permitir, não só a apreciação do Kwanza, como importações mais baratas e consequente queda dos preços (desaceleração da inflação). Ou seja, o Kwanza foi apreciado artificialmente, conforme consideram alguns analistas.
"Durante muito tempo, o BNA andou a travar o kwanza, a forçar um equilíbrio inexistente, se assim podemos dizer. Este ritmo de depreciação é inerente a uma moeda como o Kwanza. Falamos muito de equilíbrio e estabilidade, mas ainda estamos longe disso, honestamente falando, nunca teremos um kwanza forte sem um sector não petrolífero robusto a contribuir para as exportações que tragam realmente recursos cambiais. Penso que algures, nos próximos meses, a depreciação vai começar a diminuir e, daqui a pouco, vamos ter episódios de apreciação do kwanza, mas isso não vai significar nada. Equilíbrio cambial é um discordo falacioso", admite o economista Mateus Maquiadi.
Já o também economista Wilson Chimoco diz que, "nos últimos cinco anos, o País fez mal o trabalho de casa. Focámo-nos tanto na estrutura das exportações que nos esquecemos que o verdadeiro problema dos desequilíbrios nas contas externas estava na estrutura das importações. E é exactamente o aumento das importações que está a pressionar muito mais o câmbio do que a queda das exportações".
A continuar esta forte desvalorização cambial, serão muito negativos os efeitos sobre a economia, e o Ministério das Finanças e o BNA terão de tomar medidas, até porque os preços no País já estão a disparar, devido não só à queda do Kwanza, mas também devido à retirada parcial dos subsídios sobre a gasolina. "O PIB deve desacelerar ou talvez contrair, a meta do BNA de 9-11% [de inflação anual] já era. A política monetária vai ser apertada e o pouco crédito que já se dá às famílias vai ser sugado. As finanças públicas vão continuar a lutar para pagar salários, já que ainda não resolvemos o problema da má despesa e podemos fechar o ano com um défice orçamental financiado por mais dívidas. O desemprego vai continuar tão alto quanto está e as famílias devem continuar a sofrer. Em geral, a desigualdade vai aumentar porque este é mais um ano em que vai haver transição de classes, alguns da classe média vão ser arrastados para a classe mais baixa", admite Maquiadi. Expansão